Síndrome de Burnout

"Para ser forte precisa do que? Levar um tiro??"


É desafiador falar de um tema tão invisibilizado e chacoteado pela sociedade. Outro dia, alguém comentou na internet que “burnout era doença de playboy, já que um pedreiro jamais teria tal comorbidade”. Eu fiquei pensando em que lugar um playboy teria burnout. Playboys não trabalham! Pedreiros têm burnout. Pedreiros trabalham pra caralho. Talvez não saibam. Talvez não tenham o direito de falar que têm. São silenciados pelo preconceito, pelo estigma social, pelo capitalismo, pela desumanização.... Qualquer pessoa, de qualquer profissão, pode ter burnout.

“A síndrome de Burnout (ou esgotamento profissional) é um transtorno psíquico causado por estresse crônico no ambiente de trabalho, especialmente quando há excesso de demandas, pressão constante e falta de reconhecimento.” (FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE). A fala de alguém na internet, recheada de escárnio e falta de empatia, revela uma amostra do que sofrem os profissionais com burnout. Há três anos, eu tive coragem de assumir minha condição: portadora de burnout. Eu resolvi passar por cima dos olhares julgadores, dos comentários maldosos, da crueldade humana e da chacota para entender que eu precisava parar. Temporariamente, mas eu precisava.

Semana passada, um grupo de alunos, estudantes de psicologia, me entrevistou, pois o tema do trabalho deles era a “Síndrome de Burnout”. Um dos alunos do grupo havia sido meu aluno há alguns anos, e lembrou do meu afastamento por conta da doença. Fiquei feliz em saber que estão estudando sobre isso no meio acadêmico. É importante falar sobre o burnout: uma síndrome que não é considerada doença, mas possui CID (classificação internacional de doenças) (???) e está, faz tempo, destruindo a vida das pessoas. Eu tenho sintomas físicos dessa merda. Tudo isso mexeu comigo, na mulher que eu era o como estou hoje. 

Apesar de tudo que eu faço para burlar esse demônio, eu tive mais um episódio de burnout. Assim, foi necessário recorrer de imediato ao meu psicólogo. Ao me perguntar sobre o que eu sentia eu respondi: “desconfortável, fraca e derrotada.” Observe como a síndrome nos joga contra nós mesmos. Em resposta, meu psicólogo disse: “(...) então trabalhar o tanto que já fez, e aguentar tudo que aguentou (...) é ser fraca? (...) para ser forte precisa do que? Levar um tiro?? (sic)”. As palavras dele vieram de forma certeira para os meus ouvidos. Eu pensei que o tiro pudesse ser, nesse contexto, um infarto, um AVC, um surto, ou a morte. Pode parecer pesado, mas quem tem burnout prefere, às vezes, desaparecer a ter de enfrentar o sistema.

Eu sou professora, e falar sobre burnout não invalida minha vocação à docência, muito menos o meu amor pela sala de aula. Sim, apesar do meu adoecimento, eu tenho coragem de falar que amo a sala de aula. Ser professor no Brasil é mais do que ministrar aulas. Os professores, sobretudo os da rede pública, são constantemente massacrados, de diversas maneiras, dentro e fora da sala de aula. Além de lutar contra um sistema perverso, tóxico e cruel, temos que lidar com o ódio que a sociedade sente por nós.

Os professores estão adoecendo. Estão adoecidos! É urgente falar sobre isso. É preciso escutar o que temos a dizer, ouvir o que sugerimos para mudar o sistema que nos mata diuturnamente. Cada vez menos pessoas querem se tornar professoras, e quem ainda quer, não entendeu o que está acontecendo. Leia de novo. O cenário é horripilante.

A atividade docente não está pior - sempre foi assim, mas ninguém reclamava. O estigma impedia que os professores falassem sobre o adoecimento mental que passavam. Foram normalizando esta barbárie e hoje a coisa está insuportável. Estamos tomando remédios e mais remédios para viver apesar do burnout. Sugiro que meus colegas se cuidem, já que “a salvação é individual”. Ninguém liga para nós! Zelem pelas suas vidas. Na sua ausência, sua vaga será preenchida automaticamente. Em pouco tempo, com o andar da carruagem, e se nada for feito, a educação irá colapsar. E não haverá tarja preta que resolva. 

sâmara azevedo®

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