CONVERSAS DIFÍCEIS

Eu sou mãe há pouco tempo; mais especificamente há 14 anos. Há dois anos, entretanto, venho me tornando mãe de um adolescente. Digo que "venho me tornando" porque, a adolescência, por si só, é desafiadora. É um processo sem começo, meio nem fim.

Outro dia, Silas e eu tivemos uma conversa difícil. A conversa que marcou o momento chave em que, de fato, sou a mãe de um adolescente e o adolescente é ele. A ficha caiu para ambos. A conversa girou em torno de duas palavras: postura e incômodo. Mas não começou por elas. Começamos a conversa falando sobre sonhos.

Ele me contou quais eram seus sonhos. Eu disse a Silas que só revelamos nossos sonhos a quem já sonhou e realizou. Se ele falasse dos seus sonhos para alguém frustrado, a tendência era de que essa pessoa lhe descredibilizasse. Nós, seres humanos, temos a péssima mania de despejar nossas frustrações no outro; e, às vezes, esse outro é nosso próprio filho. Eu já cansei de ver mães e pais podarem seus filhos de seus sonhos e objetivos de vida por um único motivo: eles mesmos não haviam realizado nada.

Eu sou uma mãe realizada. Uma mulher realizada, uma profissional realizada. Tenho muitas coisas mais a realizar. Tenho sonhos ainda! Não haverá, da minha parte, nenhuma imposição de obrigações dele para comigo, muito menos qualquer projeção minha na figura dele; assim, a tendência é apoia-lo, sejam quais forem suas ambições. Não existe sonho inalcançável, eu disse a ele. Eu sempre o apoiarei.

Eu crio meu filho para ser uma pessoa independente, e pode parecer cruel, mas meu objetivo é tornar-me desnecessária na vida dele. Desnecessária soa perverso para algumas pessoas porque nos acostumamos a conviver com os outros por necessidade, e não por vontade. "Eu preciso viver com você" ao invés de "eu quero viver com você, embora eu não precise".

Tornar-me desnecessária para meu filho não exigirá dele distanciamento nem indiferença, muito pelo contrário: penso que essa é a maior prova de amor que eu possa lhe dar. Ele pode simplesmente querer estar comigo sem, necessariamente, precisar estar.

Formar, de propósito, adultos disfuncionais e dependentes, a troco de obediência e subordinação é desonesto, cruel e egoísta.

Alguns pais e mães acham normal atravancarem seus filhos durante a vida, atrapalhando-os de crescerem, para que, assim, os filhos sempre precisem deles e jamais saiam debaixo de suas asas. 

Esse pensamento justifica o fato de algumas mães "casarem-se" com seus filhos. Mãe e filho estabelecem, entre si, uma relação de "simbiose". É algo tão nocivo e tão tóxico, que o filho não prospera de jeito nenhum... Ele não dá um passo sem a opinião / aprovação da mãe.

Isso pode explicar, quem sabe, as relações ruins entre noras e sogras. Ora, se uma mulher estabelece uma relação romântica com o filho com quem a mãe "se casou", a tendência é odiar essa nora e firmar com ela uma espécie de competição irracional. Digo irracional porque, se houvesse racionalidade, uma mãe jamais teria com o filho uma relação simbiótica. 

Outro dia assisti a um vídeo onde uma mãe cortava, de forma simbólica, o cordão umbilical do filho no dia do casamento dele. Deduzi que naquele gesto havia muita dignidade, coragem, e a sensação de dever cumprido. Ao mesmo tempo, pensei que esse "ritual" não deveria, necessariamente, acontecer no dia do casamento. Ο rompimento do cordão umbilical pode (e deve) ser feito aos poucos, num processo fracionado, para que seja pouco doloroso e o mais natural possível. Pode inclusive iniciar-se na adolescência, para que, com a chegada da vida adulta, chegue também a consciência de que mães, pais, filhos e filhas não estão (e nunca estiveram) acorrentados entre si.

Silas é meu coração batendo fora do peito, isso não vai mudar, mas se o cordão umbilical não for rompido, eu terei fracassado como mãe. E isso não é sobre amor. É importante reconhecer a diferença entre amor e obrigação. Eu amo Silas e ele não é obrigado a retribuir o ato de eu ter me doado a ele como mãe. Ser mãe foi uma decisão minha, ele não tem responsabilidade alguma a esse respeito.

É muito comum, na sociedade em que vivemos, as pessoas nos questionarem sobre "quem vai cuidar de nós na velhice", querendo atribuir ao filho essa responsabilidade. Penso que a pergunta correta seria: "O que você tem feito hoje, por você, em prol da sua saúde, para que jamais precise de alguém para te cuidar na sua velhice??"

Há uma invalidez compulsória sendo atribuída aos idosos, como se, tornando-se velhos, eles deixassem automaticamente de ser pessoas individuais, autônomas, com desejos e vida próprias e, principalmente, com saúde.

Ser um "velhinho ou velhinha" saudável e independente pressupõe que devamos cuidar de nossa saúde ainda jovens. Hoje, agora. Essa, inclusive, deve ou deveria ser nossa prioridade.

É possível notar um movimento de pessoas na "terceira idade" subvertendo a ordem que lhes foi imposta há anos. Os idosos estão dando um show de vitalidade e independência: viajam, namoram, tornam-se atletas, trabalham, estudam etc. Eu vou surfar nessa onda. É esse tipo de idosa que eu quero ser.

Farei isso por mim, por meus irmãos e, sobretudo, pelo meu filho, que será muito cobrado pelas pessoas a cuidar de mim.

Pode parecer cruel esse ponto de vista, mas Silas não é e não será meu cuidador. Não foi para isso que eu lhe trouxe ao mundo. Meu filho veio ao mundo para ser feliz, e eu não pretendo ser um fardo nem uma barreira que atrapalhe esse processo.

Tenho postado muito sobre minha rotina de atividades físicas e isso talvez desagrade a quem se acostumou a outros tipos de conteúdo na minha página. Eu não me importo. É sempre tempo de influenciar alguém a se cuidar e contribuir para que minha geração seja de velhos saudáveis e salientes. Risos.

Fiquei contente por meu filho ter topado essa "conversa difícil" que tivemos nesse dia, pois conheço adultos que se recusam a tê-las, tamanha é sua covardia. Lembrei: eu não estou criando um covarde, e já era de se esperar que Silas e eu conversássemos tranquilamente, da maneira como ocorreu.

Nesse momento, então, surgiu a palavra postura. Eu falei para Silas que não é o p!nto que faz dele um homem. O que faz dele um homem é a postura, o caráter e a forma como ele trata as pessoas. Mas a postura é a mais importante de todas as coisas.

Tornar-se adulto é diferente de tornar-se homem. "Como mãe, eu só terei a sensação de 'filho criado' quando você for um homem de verdade", eu disse a ele. 

Completei: "tem coisas, meu filho, que só eu posso te dizer. Ninguém poderá te chamar atenção sobre isso a não ser eu; portanto, é inadmissível que alguém te repreenda pela sua postura", "jamais tolerarei". Eu ri.

"Hoje, essa casa é a nossa casa, e para você se tornar um homem de verdade, você terá de ter a sua casa."

Esse é um marcador importante da vida adulta e do rompimento do cordão umbilical. A vida não é o que acontece da porta para dentro, mas sim o que acontece da porta para fora!

"Você terá a sua casa, tor-nar-se-á um homem, um adulto funcional, e continuaremos sendo mãe e filho. Com o mesmo amor." - Falei.

E mais: "nenhum lugar no mundo deve ser a extensão de sua casa. Estar em qualquer lugar exige de você POSTURA. Na sua casa você pode ficar como quiser, mas fora dela: POSTURA. Postura, meu filho!"

Por falar em vida adulta, estive refletindo sobre pessoas que detestam a vida adulta. Quis entender de que momento da vida elas sentem falta. Da infância? Da adolescência? De que parte? Onde as pessoas estão com a cabeça ao recusar-se evoluir, crescer, amadurecer? A vida adulta é, realmente, um assunto complexo.

Sâmara Azevedo 

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