COMIDA É AFETO
Vai parecer que eu vou falar de pessoas que descontam suas frustrações na comida ou comem para preencher seus vazios, mas ao contrário do que possa parecer, esse texto não é sobre isso.
Eu vim falar das vezes em que você esteve doente e alguém te ofereceu uma sopa para ajudar na sua recuperação. De quando te ofereceram café e bolo no final da tarde apenas para experimentar sua companhia. Do dia em em que você chegou destruída do trabalho e uma voz disse: "tem comida quentinha no fogão...." Eu quero saber de quando você se empenhou na sua melhor receita porque, finalmente, seu amor iria na sua casa. Estamos falando de comida ou de afeto? Cozinhar é um gesto de amor!
Comida é afeto. Sobretudo hoje, em que a "indústria da forma" precisa demonizar os alimentos para convencer as pessoas a atingirem o padrão ideal. Essa indústria ignora completamente a desigualdade social que reina em nosso país, onde mais de 50 milhões de brasileiros protagonizam o mapa da fome e da miséria.
Me causa repulsa que em um cenário tão desproporcional como o nosso, o debate sobre insegurança alimentar, pobreza e miséria perca o lugar para o "lifestyle". É vergonhoso que haja espaço para a cultura da dieta e do terrorismo nutricional no palco das desigualdades onde o Brasil faz espetáculo.
Tem brasileiro comendo lixo e pelanca de açougue. Tem mercado vendendo a carcaça que em outrora era jogada no lixo. Essa conjuntura me parece monstruosa. Ainda assim, fazer alusão à magreza e acusar pessoas gordas de romantizarem a obesidade parece mais importante.
Se afirmo que comida é afeto, logo, a ausência da comida é ódio. É como um soco no estômago de quem não têm acesso aos alimentos, nem à própria dignidade.
Enquanto muitos postam seus pratos de salada e ostentam suas "dietas low carb", tem criança chorando de fome. É esse, inclusive, o motivo da alta incidência de mães e pais furtando comida para alimentarem seus filhos.
Afeto para mim é sagrado, portanto, comida também será. Além de sagrada, fundamental. "Farinha pouca meu pirão primeiro" é um pensamento burguês e desumano. Na casa do pobre, quando a farinha é pouca, se coloca mais água para todo mundo comer o pirão.
Sâmara Azevedo
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